Anos 1990
XLIV Bienal de Veneza: o retorno do templário – A fortaleza de Arkadin (1990)
Segundo Cacilda Teixeira da Costa: “É o caminho reanimado da memória que o Ieva, como num rito de passagem, à criação de “Fortaleza de Arkadin”, instalação que apresenta na 44ª Bienal de Veneza, em 1990.
Obra da maturidade, marca uma síntese de sua trajetória e integração de experiências. A grande muralha fechada, construída com toras de madeira bruta, sugere a cidadela de seu arcano, o cavalheiro Arkadin d’y Saint Amèr à procura do impenetrável e obscuro mundo do feminino. De seu interior, no “Coeur D’Ark”, ele coloca-se para observar as xerografias em papel de arroz com fundo negro, evocativas de espaços vividos nas andanças do Templário por ruínas romanas e celtas (raízes genéticas do artista).
Invenção complexa, decorre da evolução poética do artista, da sua história e seus processos geradores de imagens. Novamente, a burocracia criou problemas, e a “Fortaleza” mostrada em Veneza não pode ser trazida para o Brasil. ”
O alter ego de Wesley, o guerreiro Arkadin, volta para continuar o percurso iniciado na série do Templário, procurando o castelo, a fortaleza íntima. A matéria em estado natural reforça a intimidade e o contacto com a natureza necessários para que o templário descanse e sonhe. Continua Cacilda Teixeira da Costa1:
“A Fortaleza incorpora o templário aos ambientes, depois de um longo caminho e uma sequência de mais de 30 anos de trabalho. […] A instalação pode ser descrita como uma obra imponente, construída com 104 toras de madeira bruta de 4 metros de altura. (…) apesar de ser um ponto de chegada (Bienal de Veneza), a Fortaleza representou para Wesley um renascimento: já que desde 1969 não conseguira realizar nenhum dos projetos de arte imersiva ou instalações que vinha concebendo (com exceção de Após Calipso e Fórum de Ipanema) e a possibilidade que se apresentou de construí-la na Bienal de Veneza foi altamente estimulante.”
Como a Fortaleza de Arkadin ficou presa na alfândega europeia, Wesley Duke Lee ficou aborrecido e resolveu doar a xerografia da obra para o museu de Ervamoira, em Portugal, realizando um grande evento para comemorar a doação e estreitando mais ainda os laços com a Família Ramos Pinto, já que o museu pertence à Quinta de Ervamoira, na região do Douro Superior. A Quinta de Ervamoira é a primeira quinta vinhateira a usufruir do título de Património da Humanidade.
Em 2011, a obra foi montada a, partir da planta original do projeto, na feira de arte ArtRio, no Rio de Janeiro. Os idealizadores do projeto foram Ricardo Camargo, galerista, Patrícia e William Lee, sobrinha e o irmão do artista. A obra foi montada no Pier Mauá, ao ar livre, segundo era o desejo do artista.
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44ª Bienal de Veneza instalação, 144 toras de madeira de 20cm de diâmetro, 11,60 x 6,30 x 3m (entrada falsa altura 2,40m), 21 xerografias s/ papel arroz, 18 x 25,4 cm
MASP: obra e retrospetiva
Além da Fortaleza de Arkadin, Wesley realiza, logo no começo da década de 90, mais uma arte pública, dessa vez na estação de metro Trianon-Masp na cidade de São Paulo. Um painel com impressão digital, onde reúne as técnicas de fotocópia, computação gráfica e scannaprint, contém 123 obras de referência da história da arte brasileira. Dessa maneira, transformando um lugar de passagem numa galeria de arte pública, dialogando com o seu entorno, já que logo acima da estação encontra-se o principal museu da América Latina, o MASP.
E foi no MASP que, em 1992, foi realizada a Retrospectiva Wesley Duke Lee. Foram mostrados 312 trabalhos produzidos entre 1953 e 1991. Essa exposição permitiu que a obra do Wesley fosse mostrada dentro dos seus contextos históricos e mitológicos, permitindo uma apreciação tanto de sua poética como de sua trajetória, da riqueza e da diversidade do artista.
A era do filho
Wesley preconizava que o patriarcado havia chegado ao fim, e que estaríamos numa nova era, o Filiarcado, ou a era do filho. Em 1991, realizou Os trabalhos de Eros, obras que são consideradas preparações para a Era do Filho. Conforme Cacilda Teixeira da Costa2, “Os doze trabalhos dessa série são o produto da associação entre a fotografia, o computador e o scannaprint, a partir de baixo-relevos que se encontram na base das colunas do Grand Palais de Beaux Arts em Paris. O artista, sem preconceitos, viu nas alegorias uma realidade: a dos meios da arte.
O pequeno Amor é Eros, um dos deuses do princípio da criação, aquele que simbolizava a força cósmica da fecundidade original, apresentado como uma criança, o puer aetemus, sempre novo e fresco para reconhecer o sentido verdadeiro das coisas: o ‘Filho’, como Wesley o conceitua. Essa série tem o subtítulo ‘Preparação para a anunciação da era do filho’. Diz Wesley:
… Tenho a impressão de que estamos simplesmente trocando de era. Inicialmente tivemos o período matriarcal, em seguida o período patriarcal. Hoje estamos vivendo o desmoronamento do patriarcado…É uma nova proposta. Haverá um retorno ao conceito gnóstico, isto é: Mater, Pater et Filius. Assim, entrevejo uma nova era que se denomina Filiarcado, Era do Filho.
Os Trabalhos de Eros expressam uma opinião positiva do homem, o inventor de máquinas, e do artista-criador que jovialmente as utiliza como agentes da mágica ou caminhos para autoria. Em suma: torna-as como meios para relacionar o sensível ao inteligível através da imagem, ou indo mais longe, pela criação de um espelho. Nele o artista instaura o olhar em que nos vemos.”
A partir dessa preparação, já no final da década de 90, Wesley então concebe, de fato, O Filiarcado. Wesley começou a dar forma à serie depois de comemorar 40 anos de vida artística. Nos quadros – que mesclam referências a desenhos da renascença italiana com a surpresa das pinturas rupestres pintados com bastões de pastel a óleo numa argamassa que lembra as paredes de pedra das cavernas, crianças brincam com jogos infantis ancestrais: nadam num rio, correm, saltam sela e fogueira, atiram dardos e jogam cartas ou berlindes. Ao pesquisar a argamassa, o artista encontrou uma base que deixou as telas sólidas e enrugadas, onde deu vida às figuras, aproveitando rachaduras e relevos.
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série composta de 29 obras – Albedo, Rubedo e Nigredo (da esq. para dir.)
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argamassa e pastel a óleo s/ tela, 257 x 227 cm
Wesley levou quase 20 anos para pensar o conceito desta série de pinturas. A ideia do filiarcado, a era do filho, surgiu de conversas com a poetisa Dora Ferreira da Silva, mulher do filósofo Vicente Ferreira da Silva, de quem era amigo. Foi aí que despontou o losango. “O matriarcado é representado pelo círculo, o patriarcado pelo quadrado dentro do círculo. Já o losango, considerado uma figura de equilíbrio instável, contém os triângulos masculino e feminino, e inaugura a era do filho”, aponta o artista.
A inspiração de Wesley Duke Lee para o projeto pictórico da série surgiu ao folhear um álbum do artista barroco francês Jacques Stella (1596-1657), com 52 gravuras de jogos infantis. Stella obteve inspiração em desenhos sobre o mesmo tema do renascentista italiano Andrea Mantegna (1431-1506). A partir daí, através de computação gráfica, Wesley refez durante cinco meses os desenhos barrocos do Stella e trouxe-os para a perspetiva renascentista original, dispondo-os, em seguida, no formato desejado por ele – o losango.
As crianças brincam com os seus jogos ancestrais nos grandes quadros desta série que parecem flutuar no espaço, graças aos pedestais de vidro e aço feitos especialmente para seu encaixe. Eles foram agrupados pelo Wesley em etapas cromáticas, que se referem às transmutações da alquimia. Em Albedo, com tons claros, predominam os brancos dourados em fundo ocre. Rubedo traz vermelhos dourados e em Nigredo, magentas dourados e enegrecidos.
Na seleção dos desenhos das telas, Wesley ainda reproduziu os jogos infantis com os quais brincava durante a sua própria infância. Também criou o fundo de várias cenas, incorporando a paisagem da sua infância. Figuras infantis, objetos e cenários dançam na trama delicada dos losangos.
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scannaprint, pastel e lápis de cera s/ tela, 130 x 147 cm
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scannaprint, pastel e lápis de cera s/ tela, 130 x 147 cm